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Carioca

Estava ainda mergulhado naquele mundo de literatura, queria sair dele, mas o violão custou a me atender. Quando você pega o violão de novo é como se não tivesse o domínio do instrumento. É um pouco como você recomeçar um caso amoroso. E uma mulher que você não conhece , não sabe como lidar , no começo você faz muita cerimônia . E o violão fica ali, arredio. Mas, quando a musica começa a aparecer , ela é mesmo como uma namorada nova. Eu já estava com vontade de fazer música, com tesão musical mesmo.
[Chico Buarque em entrevista a revista Trip]
A vontade de fazer um texto sobre o Carioca do Chico veio logo que decidi comprar o cd e o dvd. Mas tinha que ser um texto bom , a altura, pensei. Mas tão difícil chegar a altura deste trabalho. Fiquei alguns dias pensando o que escrever sobre Carioca. Passei o final de semana escutando o cd, assisti ao dvd e só conseguia achar maravilhoso o trabalho, a produção, enfim , todo o produto. Tem fotos ótimas, a idéia do mapa projetado sobre o rosto de Chico na capa é muito boa. Tudo com muito bom gosto e com a qualidade de Chico Buarque.

Quem é leitor mais assíduo dos Meus Escritos sabe muito bem que sou fã confessa de Chico Buarque.
De suas letras e de seus olhos.

Carioca não poderia ser mais carioca. As doze músicas apresentam todos os sons do Rio de Janeiro: desde o samba canção, passando pela batida da bossa, bolero, rap.
O cd está recheado de boas letras. Como todas as muitas letras de Chico.

O dvd Desconstrução mostra um Chico muito alegre, feliz por estar fazendo música novamente. Chico brinca que o Carioca é um nome para homenagear São Paulo, já que quando ele morava lá seu apelido era Carioca. Mostra também um músico compenetrado, que não se cansa em buscar a melhor interpretação para sua música. Simples, humilde, que quer opinião de todos sobre cada palavra que vai colocando atrás da outra até virar música.

O cd começa com a música Subúrbios. Ele conta: “A ultima musica que fiz, fiquei dois meses tocando, não vinha a letra e era meio diferente, uma musica meio espanhola. E acabou que não tinha nada de espanhola”
O produtor do trabalho, Luis Cláudio Ramos conta, no dvd, que geralmente o Chico chega com uma musica fantástica depois que está tudo quase pronto, para fechar com chave de ouro.
Assim é Subúrbio, fechou o trabalho e abre o cd com chave de ouro.
É difícil escolher uma música só deste trabalho, mas esta é uma das minhas prediletas.Subúrbio é uma homenagem a periferia do Rio de janeiro, tem uma bela melodia. A letra é muito boa, redundância falar isso, quando se fala de Chico. Saliento este verso:

“Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas”
Quando a Trip perguntou pra Chico - E a música outros sonhos? Ele respondeu:
“Pois é, para você ver, tem coisas também que vem lá de trás, e emergem. “Outros sonhos” vem de um mote que meu pai sempre cantava. A música acho que é chilena. Depois fui descobrir que os versos foram musicados por um autor chileno, mas também por um autor argentino. Tem um tango do Carlos Gardel que diz a mesma coisa. Enfim, estes versos são anônimos :

Soñé que el fuego helaba
Soñé que la nieve ardía
Y por soñar lo imposible
Soñé que tú me querías.

Meu pai cantava muito isso. Cantava muito só quando eu era garoto. Mas, de repente volta. Volta e começa a ficar te perseguindo, e fica um tenho que fazer esta música”.

Esta música tem participação especial de Gonzaguinha no arcodeon. Achei a letra de um realismo fantástico. Talvez pudesse ser tema para alguma peça, para o cinema, quem sabe. Tem muito de saudosismo também, gosto da ultima frase : “E por sonhar o impossível, sonhei que tu me querias”
E do refrão:
“Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
Sonhei que ela corava
Quando me via
Sonhei que ao meio-dia
Havia intenso luar
E o povo se embevecia”.
(Outros sonhos)
Em Ode aos Ratos, música do Chico com Edu Lobo, tem um rap: Embolada . Ficou com uma batida moderna, melodia diferente, diferente de todas as outras melodias do Chico. Tem uma cara moderna, uma batida meio nordestina, não sei bem decifrar. É moderna.
O interessante é isso, Carioca consegue transitar muito bem por todos os sons do Rio e continua com a cara do Chico. Sua letra atemporal, pode ser aplicada a qualquer espaço e em qualquer período de tempo.
“Rato que roí a rosa
roí o riso da moça
e ruma rua acima
em sua rota de rato”
(embolada – Ode aos Ratos)
Dura na queda é a música que mais me chamou a atenção quando ouvi o cd. É um samba ótimo. Virou samba quando foi para gravação. Gostei de ver Chico cantando a lua, junto do carnaval, do sol, das ondas do mar. Interessante acompanhar no dvd a introdução dos instrumentos na música. É uma das mais alegres do cd. Foi aquela que fiquei cantarolando depois que ouvi. Que copiei uma frase para colocar no meu nick, no MSN. Chico explica no dvd a letra. Fala que a estrada amarela é o reflexo da lua na estrada.
“O sol ensolarará a estrada dela
a lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol , a estrada amarela
E as ondas, as ondas do mar”

Porque Era Ela, Porque Era Eu foi a musica que mais me chamou atenção quando li. Tem uma sensibilidade incrível. Prefiro deixar toda letra porque esta musica fala por si mesma.

Eu não sabia explicar nós dois
Ela mais eu, por que eu e ela
Não conhecia poemas
Nem muitas palavras belas
Mas ela foi me levando
Pela mão
Íamos tontos os dois assim ao léu
Ríamos, chorávamos sem razão
Hoje, lembrando-me dela
Me vendo nos olhos dela
Sei que o que tinha de ser se deu
Porque era ela
Porque era eu

As atrizes fala de uma das paixões de Chico. Em um de seus dvds, da série de 13, ele conta da sua “paixão” pelas atrizes. Ele conta como ficava maravilhado com as atrizes naquela tela gigante do cinema. Esta letra é uma bela homenagem.
“Sem nem olhar a minha cara
Tomavam banho
Na minha frente
Para sair com outro cara
Porém nunca me importei
Com tais amantes
Os meus olhos infantis
Só cuidavam delas”

Ela faz cinema foi uma encomenda para um filme. Outra homenagem para as atrizes. Sorte a delas. É uma das minhas preferidas deste cd. É daquelas músicas que você grava logo e sai cantando. É um bom exemplo das músicas que Chico faz sobre mulheres. Gosto quando ele canta: Nunca será de ninguém / Porém eu não sei viver sem / E fim.
Quando ela chora
Não sei se é dos olhos para fora
Não sei do que ri
Eu não sei se ela agora
Está fora de si
Ou se é o estilo de uma grande dama

Bolero Blues tem uma historia muito legal. No dvd ficamos sabendo que é a primeira musica com letra do baixista Jorge Helder. Chico chega dizendo que é uma musica impossível de colocar a letra, mas que ele conseguiu. O baixista fica tão emocionado que vai para o banheiro chorar. É uma música difícil mesmo, triste. Com a letra ficou muito bonita.

Neste crucial momento
Neste cruzamento
Se ela olhar para trás
É bem capaz de num lamento
Acudir ao meu olhar mendigo


Renata Maria foi feita por Chico e Ivan Lins em 2005.Uma daquelas músicas que só o Chico sabe fazer sobre uma mulher. Ele conta sobre uma mulher que ele vê saindo do mar. Quem seria a sortuda?


Músicas imaginei
Mas o assombro gelou
Na minha boca as palavras que eu ia falar
Nem uma brisa soprou
Enquanto Renata Maria saía do mar.


Leve, música de Carlinhos Vergueiro e Chico Buarque.

É um pedido. Um jogo de palavras. Uma despedida. Fala um pouco da impermanência das coisas, da vida. “Outros passarão, eu passo”


Pense como eu vim de leve
Machuquei você de leve
E me retirei com pés de lã
Sei que o seu caminho amanhã
Será um caminho bom
Mas não me leve”


Sempre é uma letra só do Chico. Achei a mais triste do cd. Mas a mais engraçada do dvd. Os músicos ficam brincando com Chico, dizem que se espantaram com o gato na letra. Chico diz que se assustasse muito ele poderia tirar o gato da letra. Mas acaba explicando que o gato é do tipo angorá, que fica aos pés da dona contemplando. E a música fala sobre a contemplação. Talvez a melodia tenha deixado a musica tão triste. Triste, mas ao mesmo tempo muito bonita, sensível. Saliento o verso:

Dura a vida alguns instantes
Porém mais do que bastantes
Quando cada instante é sempre



Imagina de Tom Jobim e Chico Buarque, de 1983 foi feita para o filme Para viver um grande amor, de Miguel Faria Jr. É a valsa sentimental que Tom compôs. Nesta musica Daniel Jobim toca o piano. É uma letra muito legal, tem um realismo fantástico. Diz – Imagina, hoje a noite a gente se perder, hoje a noite a lua se apagar, quem já viu a luz Cris? ( Lua Cris é uma expressão que significa eclipse da lua, uma expressão arcaica) Imagina...

Comentários

*


isso que eu chamo de uma ode ao chico.

em tempo: gosto muito do chico 'antigo', de letras como 'eu te amo' - que vc citou - e de 'beatriz'.
os últimos discos eu não acompanhei não.



*
Maira C disse…
Graziiiiiiii, muito bom! Agora só falta ver o que ELE vai achar!!!!...Imagiiiiinaaaa!!!rsrs
Anônimo disse…
Viu, nem cansei. Também nem poderia depois de um passeio gosotoso como este. Tá muito especial, merece ir para o site oficial do Chico.
Beijo em ti.
Ana disse…
Bahhhh!
Apesar de ser fãzona, desconheço muita coisa da obra do Chico...
Show de post, Graziana!
Sean - vou tentar mandar o texto pra ele, seria muito bom se ele tivesse acesso a ele!

Maira - Imagina!!!!

Zé- obrigada, quem me dera se ele visse o texto!

Ana - obrigada!Tens que ouvir o cd novo, é maravilhoso mesmo!
Quero ver se faço mais textos sobre as musicas dele, quem sabe colocar tudo que escrevi e vou escrever num blog sobre ele :)

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